Eu sou quem deveria ser.


 

Eu sei que comecei a contar histórias sobre outras pessoas e, essencialmente, esqueci-me de falar sobre mim. Existe apenas uma explicação. A minha figura e a minha personagem são extremamente aborrecidas. Eu sou um indivíduo que, para além da parte obvia, de arruaceiro e vingativo, tenho um nome e uma personalidade bastante comuns.

Por esta altura estava a ingressar no ensino primário com quase 6 anos de idade e pouco tinha a dizer sobre mim próprio. O que neste momento sei é que até ao final do meu ensino primário, muitas aventuras estariam por chegar. Parecem poucos, mas ainda são quatro anos.

Claro, quando falo em aventuras isto não quer dizer que andei a percorrer mares nunca antes navegados ou a liderar expedições pelas montanhas mais altas do globo terrestre. Uma criancinha limita-se a absorver momentos, acontecimentos e vivencias que a qualquer momento podem ser vividas por todos ou por qualquer um.

Na retoma das aulas, deparei-me com uma turma diferente. Rapazes novos. Raparigas novas. Também tinha muitos colegas que já estavam comigo desde o infantário. Esta mixórdia de criaturas dentro de uma sala de aula despertou em mim uma mistura de sentimentos contraditórios que me levaram a levantar questões acerca da coexistência humana.

Sem sombra de dúvida que gostamos de conforto. De coisas e acontecimentos previsíveis. Esta estabilidade permite que haja uma harmonia constante na forma como vivemos o dia-á-dia. Contudo, não conseguimos esconder nem enganar a nossa natureza de insatisfeitos.

Deve haver algo que pode ajudar a melhorar a nossa vida. É exatamente neste momento que entra a mudança voluntária. Algo que, apesar de nos retirar da zona de conforto, tem resultados expectáveis. Por outro lado, tem a mudança involuntária, que basicamente nós não controlamos nenhuma das variáveis do contexto. Nós somos a única variável controlável.

O que seria da vida e da minha existência, se não me perdesse em novas, mas diferentes, relações humanas. A vinculação afetiva é algo incontrolável, que não afeta todos e todas de igual forma. Neste pressuposto admito que fui aceitando aquilo que a vida foi me presenteando. Sem fazer muitas perguntas e, na medida do possível, sem fazer mal a ninguém.

Para os mais atentos, já se aperceberam que eu sou um Idiota. Não andasse eu para aqui a enrolar o texto, de modo evitar o assunto que eu próprio iniciei. Já vos disse, eu não sou nem nunca fui nada de especial. Tenho um status comum, pouco diferenciado, que em nada está relacionado com o meu histórico familiar. Acredito que houve uma falha genética qualquer durante o meu processo de produção, dando origem a um Ser semi desprezível, mas, ao mesmo tempo, confiável e verdadeiro. Outra das hipóteses foi ter batido forte com a cabeça ou apanhado um choque elétrico.

O meu nome, esse, é irrelevante para esta história. Fiquemos pelo Idiota que atualmente tem um metro e sessenta e nove centímetros de altura e sessenta Quilogramas. Posso dizer que sou engraçado, nos dois sentidos da palavra. Reza a história que o tempo foi me conferindo mais algum interesse visual, mas não consigo quantificar nem qualificar tal acontecimento.

Basicamente eu nunca consegui me definir. Penso que a minha personalidade e forma de agir desencoraja as pessoas que são mais próximas de me dizer a verdade sobre mim. Confesso que também sentia e sinto alguma insegurança em relação a mim próprio. Não sou inseguro, muito pelo contrário. Mas entendo que é esta pequena prudência que me desvia da insanidade e faz-me compreender, às vezes, as outras pessoas. Digamos que é o meu bom senso.

Apesar dos meus atuais 1,69m (tão grande), eu sempre fui pequeno em comparação com os meus colegas. Fui tardio na minha maturação e crescimento e, fisicamente, sempre estive dois ou três anos para trás. Felizmente, cognitivamente, estava uns anos à frente. Não podemos ter tudo, dizem os entendidos.

Foi a resiliência e luta constante para me equiparar aos meus colegas que moldaram a minha forma de ser. Fui adquirindo ferramentas que me permitiram ultrapassar todos os constrangimentos que me foram impostos. Em grande parte, são as mudanças involuntárias que moldam a minha personalidade. Estas mudanças são um continuum.

Regressando ao puto reguila que tinha ingressado no 1º ano de escolaridade. Aqueles primeiros dias de aulas, quando a minha mãe me deixava à porta, sozinho, como que abandonado numa floresta a meio de uma matilha, foram difíceis. Eu aprendi que todos os dias são uma luta e, todos os dias, estou determinado para lutar. De outra forma não faria sentido.

A vantagem de ser irrequieto, vingativo e arruaceiro é que tinha sempre forças para mais uma batalha. Mesmo sabendo que as minhas hipóteses eram escassas ou nulas, eu ia sempre à luta. Eu era tipo Rocky Balboa, deixava o adversário atacar e convencia-o que a vitória estava garantida e, no momento certo, lançava o golpe fatal.

Agora que revivo mentalmente estes momentos, acho-os caricatos. Tenho consciência que não era o protótipo de criança que a sociedade pedia naquela altura. Se fosse hoje tinha criado dependência à Ritalina. Ainda assim tenho de acreditar que por ser quem sou, obrigo os outros a ser melhores, aumento a exigência e prepara-os para novos contextos, todos os dias, sempre desafiadores. Na realidade eu presto um serviço público.

Não basta existir, é preciso viver. Para isso é importante que tenhamos alguma irreverência e capacidade de adaptação, procurando nos reinventar sempre que necessário. Não é preciso criar uma nova pessoa. É possível ser a mesma pessoa de formas diferentes.

Foi isto que eu fui, sou e perspetivo ser.

--

Sem ressentimentos,

ASS: Stero

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A culpa não é tua. Mas é.

Tu não percebes nada.

A vida não é um reflexo. É uma experiência.